domingo, 17 de agosto de 2014

Agosto de 2014 - Andréa del Fuego

Encontro 69, 2/9/2014


Os Malaquias / Los Malaquias



Andréa del Fuego, com poucas palavras e de um jeito muito poético, conta a história dos Malaquias, uma família que é atingida por um raio deixando órfãos a os protagonistas do livro: Nico, Julia e Antônio.

Baseado em fatos reais da família da autora e escrita com realismo mágico o romance nos cativa desde o começo até o final.
O grupo inteiro amou ler este romance!

Os Malaquias ganhou o Prêmio Saramago de 2011.



Trechos do livro:

 "Um gato esticou as pernas, as paredes se retesaram. A pressão do ar achatou os corpos contra o colchão, a casa inteira se acendeu e apagou, uma lâmpada no meio do vale. O trovão soou comprido alcançar o lado oposto da serra. Debaixo da construção a terra, de carga negativa, recebeu o raio positivo de uma nuvem vertical. As cargas invisíveis se encontraram na casa dos Malaquias.”

 “Nico estranhava a cor que ele mesmo nunca via, mas sentia através do outro. Via o azul no contentamento de quem se dirigia a ele, ninguém se defende do claro. Com os olhos escuros Nico absorvia quem chegava, nele pesava a escuridão de quem o encarasse.” Andréa del Fuego, Os Malaquias.

 “Nem a morte de Dolfina mexeu tanto. Veio tudo: Antônio, o suor da mãe, o cheiro agridoce do pai, a casa, o terreiro, o trovão. Saiu correndo para o quarto dos fundos, a febre galopava, cavalo sem rumo. A lembrança era uma cortina, a agonia um sofá, mobiliaria uma casa com aquela pilha de perturbações.”

“Dentro do caldeirão, três bolhas emergiram, era a própria Geraldina reagindo com vigor à alta temperatura, rodopiando como se em volta dela houvesse um bambolê e dentro dele, ela se contorcesse. Ar de bolha.” Andréa del Fuego, Os Malaquias.

“A essa altura, Geraldina já havia readquirido autonomia e raciocínio. Ouviu da lâmpada o nome do filho, estava vibrátil ao que gestou. Enovelada na espiral, desapertou-se para atravessar o fino vidro da lâmpada. Misturada ao ar, sem jamais ser aspirada por alguém da sala. As substâncias se diferem pelos números, ela era ímpar, o ar, par. Os pulmões os reconhecem.
Livre, arraia indo se camuflar na areia, foi descendo até encostarse no chão frio do cimento. E no choque térmico voltou para os pés de Antônio.”   


ANDRÉA DEL FUEGO



terça-feira, 10 de junho de 2014

Junho/Julho de 2014 - Sabina Berman


Encontro 68 - 5/8/2014


A mulher que mergulhou no coração do mundo
La mujer que buceó dentro del corazón del mundo








“Muitos anos depois, muitas palavras depois, muitos livros depois, encontrei numa folha de um livro antigo, escrito por um filósofo francês, uma frase que coloca em palavras a minha distância dos humanos.
Penso, logo existo.
A frase me deixou de boca aberta, porque é, evidentemente, inacreditável. Basta ter dois olhos na cara para ver que tudo o que existe primeiro existe e depois faz outras coisas.
Porém, o mais incrível é que o filósofo não está propondo que seja assim, mas apenas colocando em palavras o que os humanos pensam a respeito de si mesmos: que primeiro pensam e depois existem.
E o pior é o seguinte. Como os humanos vivem assim, acreditando que primeiro pensam e depois existem, pensam que tudo aquilo que não pensa não existe completamente.
As árvores, o mar, os peixes dentro do mar, o sol, a lua, uma montanha ou uma enorme cordilheira: não, não existem completamente, existem num segundo nível de existência, uma existência menor. E, portanto, merecem ser mercadoria ou alimento ou paisagem dos humanos, e nada mais.
E quem garante aos humanos que o pensamento é a atividade mais importante do universo? Quem garante que o pensamento é a atividade mais importante do universo? Quem garante que o pensamento é a atividade que divide todas as coisas entre superiores e inferiores?
Ah, o pensamento.
Mas, em compensação, Eu nunca esqueci que primeiro existi e depois aprendi, muito trabalhosamente a pensar.”

 
"Muchos años después, muchas palabras después, muchos libros después, encontré en una hoja de un libro antiguo, escrito por un filósofo francés, una oración que pone en palabras mi distancia con los humanos.
Pienso, luego existo.
La oración me dejó la boca abierta, porque es, evidentemente, increíble. Basta tener 2 ojos en la cara para ver que todo lo que existe, primero existe y luego hace otras cosas.
Pero lo más increíble es esto, que el filósofo no propone que así sea, sino que sólo pone en palabras lo que los humanos creen acerca de sí mismos. Que primero piensan y luego existen.
Y lo peor es lo que sigue. Que como los humanos viven así, creyendo que primero piensan y luego existen, piensan que todo aquello que no piensa no existe del todo.
Los árboles, el mar, los peces dentro del mar, el sol, la luna, un cerro, una enorme cordillera: no, no existen del todo, existen en un segundo nivel de existencia, una existencia menor. Por lo tanto merecen ser mercancía o alimento o paisaje de los humanos, y nada más.
¿Y quién les asegura a los humanos que el pensamiento es la actividad más importante del universo?¿Quién les asegura que el pensamiento es la actividad que distingue todas las cosas entre superiores e inferiores?
Ah, el pensamiento.
En cambio, Yo nunca he olvidado que primero existí y luego aprendí, y muy trabajosamente, a pensar.
Y cada día para mí ésa es la realidad. Yo primero existo y luego, y sólo a veces, y con una lenta dificultad, y nada más cuando es estrictamente necesario, pienso.
Bueno, y ésa es mi distancia con los humanos".




Sabina Berman


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Lembrancinha do encontro:


Poemas de

WISLAWA SZYMBORSKA


Sob uma estrela pequenina



Me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.

Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na memória.
Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por segundo.
Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como primeiro.
Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
Me desculpem os que clamam das profundezas pelo disco de minuetos.
Me desculpe a gente nas estações pelo sono das cinco da manhã.
Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
Sinto muito, desertos, se não lhes levo uma colher de água.
E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
Me desculpe a árvore cortada pelas quatro pernas da mesa.
Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas.
Verdade, não me dê excessiva atenção.
Seriedade, me mostre magnanimidade.
Ature, segredo do ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
Não me acuse, alma, por tê-la raramente.
Me desculpe tudo, por não estar em toda parte.
Me desculpem todos, por não saber ser cada um e cada uma.
Sei que, enquanto viver, nada me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
Não me julgues má, fala, por tomar emprestado palavras patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.



Wislawa Szymborska - escritora polonesa, 
ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura 1996



O terrorista, ele observa


A bomba vai explodir no bar às treze e vinte. 
Agora são treze e dezesseis. 
Alguns ainda terão tempo de entrar; 
alguns de sair. 

O terrorista já passou para o outro lado da rua. 

A distância o livra de todo mal. 
E a vista, bom, é como no cinema:


Uma mulher de jaqueta amarela, ela entra. 

Um homem de óculos escuros, ele sai. 
Uns jovens de jeans, eles conversam 
Treze e dezessete e quatro segundos. 
Aquele mais baixo, ele se salvou, sai de lambreta, 
e aquele mais alto entra. 


Treze e dezessete e quarenta segundos. 

Uma moça, ela passa de fita verde no cabelo. 
Só que aquele ônibus a encobre de repente. 


Treze e dezoito. 

A moça sumiu. 
se foi tola de entrar ou não 
vai se saber quando os carregarem para fora. 


Treze e dezenove. 

Parece que ninguém mais entra. 
Aliás, um gordo careca sai. 
Mas remexe os bolsos como se procurasse algo


e às treze e vinte menos dez segundos 

ele volta para buscar a droga das luvas. 

São treze e vinte. 

O tempo, como ele se arrasta. 

Deve ser agora. 

Ainda não. 
É agora. 
A bomba, ela explode.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Maio de 2014 - Jennifer Egan




Encontro n°67, 27/5/2014

A visita cruel do tempo
El tiempo es un canalla

“De vez em quando, a vida nos proporciona tempo, tranquilidade e dolce far niente suficientes para fazer o tipo de pergunta que quase não fazemos na pressa do cotidiano: Qual é a extensão de suas lembranças sobre a mecânica da fotossíntese? Você já conseguiu falar a palavra `ontologia´ em alguma conversa? 
Em que momento exato você se desviou só um pouquinho da vida relativamente normal que vinha levando até então, em que momento se desalinhou de maneira infinitesimal para a esquerda ou para a direita, embarcando assim na trajetória que acabaria por levá-lo para onde se encontra agora – no meu caso, o Centro Correcional de Rikers Island?”  Jennifer Egan, A visita cruel do tempo.




“Alegam os poetas que, ao adentrar alguma casa ou algum jardim onde moramos quando jovens, reencontramos por um instante aquilo que já fomos. São peregrinações muito arriscadas, que produzem em igual medida sucessos e desilusões. Esses lugares fixos, contemporâneos de outros anos, é dentro de nós mesmos que mais convém encontrá-los.” 
Marcel Proust, Em busca do tempo perdido




Jennifer Egan