quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Dezembro de 2011 - 1° Sarau do Nosso Clube de Leitura!


Nos despedimos do ano de 2011 com um emotivo
Amigo Secreto Literário!
Para vocês, alguns dos textos lidos durante o encontro.
Obrigada aos leitores que participaram a distância!

Despedimos el 2011 con un Amigo Secreto Literario!
Para ustedes, algunos de los textos leídos en el encuentro.
Gracias a los lectores que participaron a distancia.
 

Quanto aos votos de início de ano, bem, achamos melhor dar a palavra a
Carlos Drummond de Andrade:
Para los votos de inicio de año, le damos la palabra a:

 Carlos Drummond de Andrade

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

(Carlos Drummond de Andrade, extraído de
http://www.releituras.com/drummond_dezembro.asp)
 




Para Sempre
 

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade

Morto Vivendo

Aquele morreu amando.
Nem sentiu chegar a morte
quando à vida se abraçava
nem a morte o castigou.
Enquanto beijava o amor
a morte o foi transportando
nos braços do amor gozoso
sem desatar-se a cadeia
de vida enganchada em vida.
Aquele morreu? Quem sabe
o que foi feito do amante
alçado em coche de chamas
ou carruagem de cinzas
no ato pleno de amar?
Não corrigiu a postura,
não voltou aos intervalos
de solitude a espera,
não repetiu mais os gestos
fora do ritmo amoroso.
Morreu completo, no êxtase
de estar no mundo e extramundo.
Que sabe a morte do abraço
paralisado na luz
do quarto aberto ao amor
e defeso a tudo mais?
E se continua vivo
e mais do que vivo amando
sem paredes e sem ossos
nos vazios espaciais,
não sei como, não sei quem?

Carlos Drummond de Andrade
 




Cecília Meireles

Natal na Ilha do Nanja
Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser maravilhoso. Lá ninguém celebra o Natal como o aniversário do Menino Jesus, mas sim como o verdadeiro dia do seu nascimento. Todos os anos o Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no horizonte, todos os dias e todas as noites, o sol e a lua e as estrelas e os planetas. Na Ilha do Nanja, as pessoas levam o ano inteiro esperando pela chegada do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos como se andassem sob uma chuva de flores, porque o Natal chega: e, com ele, a esperança, o consolo, a certeza do Bem, da Justiça, do Amor. Na Ilha do Nanja, as pessoas acreditam nessas palavras que antigamente se denominavam "substantivos próprios" e se escreviam com letras maiúsculas. Lá, elas continuam a ser denominadas e escritas assim.

Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha nova — mas uma roupinha barata, pois é gente pobre — apenas pelo decoro de participar de uma festa que eles acham ser a maior da humanidade. Além da roupinha nova, melhoram um pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre associamos à alegria da alma um certo bem-estar físico, geralmente representado por um pouco de doce e um pouco de vinho. Tudo, porém, moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é muito sóbria.

Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém ofende o seu vizinho — antes, todos se saúdam com grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no mesmo tom celestial: "Boas Festas! Boas Festas!"

E ninguém, pede contribuições especiais, nem abonos nem presentes — mesmo porque se isso acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus nascer num clima de tal sofreguidão? Ninguém pede nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros menos, porque todos se sentem felizes, e a felicidade não é pedir nem receber: a felicidade é dar. Pode-se dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe — trata-se de uma ilha, com praias e pescadores ! — uma cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel... É como se a Ilha toda fosse um presepe. Há mesmo quem dê um carneirinho, um pombo, um verso! Foi lá que me ofereceram, certa vez, um raio de sol!

Na Ilha de Nanja, passa-se o ano inteiro com o coração repleto das alegrias do Natal. Essas alegrias só esmorecem um pouco pela Semana Santa, quando de repente se fica em dúvida sobre a vitória das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia, vê-se a luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos voltam para o seu trabalho a cantar, ainda com lágrimas nos olhos.

Na Ilha do Nanja é assim. Arvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com. pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só.

É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal.
Cecília Meireles
(Texto extraído do livro “Quadrante 1”, Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1966, pág. 169)
 



Martha Medeiros
"Tinha quatorze anos, insegurança e nenhuma celulite
hoje tenho maturidade e um corpo que não alcança
minha mente.

Tinha marido, filhos e veraneava numa praia onde chovia
hoje bate sol no sobrado em que me escondo.

Tinha cabelos, primos e uma música preferida
hoje a surdez me poupa do zumbido dos mosquitos.

Tinha certezas, verdades, princípios, rapazes
hoje tenho certeza de que não soube ser capaz.

O futuro tão ansiado chegou mais cedo que devia
eu sonhava para frente, hoje sonho para trás."
Martha Medeiros - (Cartas extraviadas)



"Depois de sessenta anos, minha mãe voltou a budapeste com as três filhas.
estávamos passeando por uma avenida importante, quando ela parou, arrancou
uma flor de um canteiro, tirou a haste e soprou: a flor fez um barulho, como o de
um apito. Era uma brincadeira que ela fazia quando pequena. E ficamos nós três,
arregaladas, olhando minha mãe ser pequena outra vez."
Noemi Jaffe - Quando nada está acontecendo 


Thiago de Mello

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)
 

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI < br />Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964
 




Mario Benedetti

Estados de ánimo
Unas veces me siento
como pobre colina
y otras como montaña
de cumbres repetidas.


Unas veces me siento
como un acantilado
y en otras como un cielo
azul pero lejano.


A veces uno es
manantial entre rocas
y otras veces un árbol
con las últimas hojas.
Pero hoy me siento apenas
como laguna insomne
con un embarcadero
ya sin embarcaciones
una laguna verde
inmóvil y paciente
conforme con sus algas
sus musgos y sus peces,
sereno en mi confianza
confiando en que una tarde
te acerques y te mires,
te mires al mirarme.

Mario Benedetti
 


Manuel Bandeira



Belo Belo

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo - que foi? passou - de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.
Manuel Bandeira


Jorge Luis Borges

El cautivo
En Junín o Tapalqué refieren la historia. Un chico desapareció después de un malón; se dijo que lo habían robado los indios. Sus padres lo buscaron inútilmente; al cabo de los años, un soldado que venía de tierra adentro les habló de un indio de ojos celestes que bien podía ser su hijo. Dieron por fin con él (la crónica ha perdido las circunstancias y no quiero inventar lo que no sé) y creyeron reconocerlo. El hombre, trabajado por el desierto y por la vida bárbara, ya no sabía oír las palabras de la lengua natal, pero se dejó conducir, indiferente y dócil, hasta la casa. Ahí se detuvo, tal vez porque los otros se detuvieron. Miró la puerta, como sin entenderla. De pronto bajó la cabeza, gritó, atravesó corriendo el zaguán y los dos largos patios y se metió en la cocina. Sin vacilar, hundió el brazo en la ennegrecida campana y sacó el cuchillito de mango de asta que había escondido ahí, cuando chico. Los ojos le brillaron de alegría y los padres lloraron porque habían encontrado al hijo.
       Acaso a este recuerdo siguieron otros, pero el indio no podía vivir entre paredes y un día fue a buscar su destino. Yo querría saber que sintió en aquel instante de vértigo en el que el pasado y el presente se confundieron; yo querría saber si el hijo perdido renació y murió en aquel éxtasis o si alcanzó a reconocer, siquiera como una criatura o un perro, a los padres y a la casa.
Jorge Luis Borges
(Publicado en 1957 en la revista “La Biblioteca”, Buenos Aires)
 


O Cativo
Em Junín ou em Tapalquén relatam a história. Um menino desapareceu depois de um ataque indígena; disseram que os índios o haviam roubado. Seus pais o procuraram inutilmente; anos depois, um soldado que vinha do Interior falou-lhes de um índio de olhos azuis que bem poderia ser seu filho. Por fim, deram com ele (a crônica perdeu as circunstâncias e não quero inventar o que não sei) e pensaram reconhecê-lo. O homem, trabalhado pelo deserto e pela vida bárbara, já não sabia ouvir as palavras da língua natal, mas deixou-se levar, indiferente e dócil, ate a casa. Ali ele estacou, tal vez porque os outros tivessem estacado. Olhou para a porta como se não a entendesse. De repente, abaixou a cabeça, gritou, atravessou correndo o vestíbulo e os dois longos pátios e entrou pela cozinha adentro. Sem vacilar, enfiou o braço na enegrecida chaminé e apanhou a faquinha com cabo de chifre que escondera ali quando menino. Seus olhos brilharam de alegria e os pais choraram porque tinham encontrado o filho.
Tal vez a essa lembrança tenham se seguido outras, mas o índio não podia viver entre paredes e um dia foi em busca de seu deserto. Gostaria de saber o que sentiu naquele instante de vertigem em que o passado e o presente se confundiram; gostaria de saber se o filho perdido renasceu e morreu naquele êxtase ou se conseguiu reconhecer, ao menos como uma criança ou um cão, os pais e a casa.
Jorge Luis Borges
(Publicado em, 1957 na revista “La Biblioteca”, Buenos Aires.)






Florbela Espanca

Amar!
 

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!

Recordar?Esquecer?Indiferente!...
Prender ou desprender?É mal?É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó,cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
Florbela Espanca 




Vinicius de Moraes

Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Moraes

O verbo no infinito
Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer de tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
Vinicius de Moraes 


Libelo
De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar - e um barco com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar?

E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão
de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é para ele poder se
perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco
de pensamento pra pensar até se perder no infinito...

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra -- um pedaço bem
verde de terra -- e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um
modesto pomar; e um jardim - que um jardim é importante - carregado de flor
de cheirar ?

E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão
de suas mãos para mexer a terra e arranhar uns acordes de violão quando a
noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa
sem mistério não vale morar...

De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem
seco, bem simples, desses que nem precisa falar -- basta olhar -- um
desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra briga,
um amigo de paz e de bar ?

E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão
de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra
bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à
vontade ao amigo ?

De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher
com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular ? E enquanto
pensando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um
carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o destino o carrega em
sua onda sem rumo ?

Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher -- as
únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo
amigo ...
Vinícius De Moraes
 





Soneto De Separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente

Vinicius de Moraes
 

 De la Separación
 

De repente la risa se hizo llanto,
silencioso y blanco como la bruma;
de las bocas unidas se hizo espuma,
y de las manos dadas se hizo espanto.

De repente la calma se hizo viento
que de los ojos apagó la última llama,
y de la pasión se hizo el presentimiento
y del momento inmóvil se hiso el drama.

De repente, no más que de repente,
se volvió triste lo que fuera amante,
y solitario lo que fuera contento.

El amigo próximo se hizo distante,
la vida se volvió una aventura errante.
De repente, no más que de repente.

(Versión de César Conto)
 




 Tsumani

Los segundos son horas,
las paredes se hamacan.
Polvo que ciega, cosas que estallan.
Portazos, gritos, algunos ladran.
Corremos hasta el parque,
atrás, el mundo se desarma.
Somos muchos, nadie habla.
Se instala el silencio,
extraño, incómodo, canalla.
En el cielo, luna y estrellas,
el temblor no pasa.
Un bramido del horizonte
nos eriza el alma.
El fin está cerca.
Es el despertar del agua.
 
Gabriela T. Colombo 


Tsunami
Os segundos são horas
As paredes balançam
Poeira que cega,
coisas que estalam
Batidas de portas, gritos, alguns latem.
Corremos ate o parque,
atrás o mundo se desarma.
Somos muitos, ninguém fala
Instala-se o silencio,
estranho, incômodo, canalha
No céu, a lua e as estrelas,
o tremor não passa.
Bramido do horizonte
eriça as almas.
O fim está perto.
É o despertar das águas.

Gabriela T. Colombo
 



Meu primeiro (e último) roubo

          A vez em que tirei escondido um carrinho de latão da loja de seu Garcia não conta. Eu só tinha 7 anos e não entendia bem por que aquilo era errado. Sabia que era, mas não percebia a razão. Afinal o carro não me interessava, eu só queria era arrancar as rodinhas, que tinham função mais importante do que fazer andar aquele brinquedo de menino. Quase todo mundo no grupo escolar já tinha uma. Colocada na boca, entre os lábios e os dentes e soprada com jeito, a rodinha emitia um apito agudo e engraçado. Era garantia de prestígio ter uma daquelas, e eu ainda podia negociar as outras três. Tudo certo, então, legítimo e decente. Tanto que não esperava a reação de meu pai quando contei na hora do jantar. Ele pegou a escova de roupa e, depois de um discurso emocionado, aplicou seis “escovadas” em cada uma das mãos que eu docilmente lhe estendia. Batia fraquinho, e eu só chorei mesmo acho que em solidariedade a ele, que tinha os olhos cheios de lágrimas. No dia seguinte, como eu previa, fiz sucesso na escola.
              Já o episódio do Mappin foi outra coisa, aquilo foi roubo mesmo. Eu não tinha saído para fazer compras, mas, passando em frente à loja, resolvi entrar. Subi até a seção feminina e, fuçando daqui e dali, dei com um vestido de malha, de alcinhas, uma graça. Peguei dois do mesmo tamanho, um amarelo e um lilás, e fui para o provador. O modelo era ótimo, justo no busto e caindo depois meio soltinho, a barra dançante, deixando o corpo livre e apenas sugerindo o contorno das curvas. Olhei de frente, de costas, de lado. Perfeito. Era de qualidade média, precinho camarada, resolvi levar um. O problema era decidir qual. O amarelo vai bem com minha pele, eu sei, mas o tom daquele lilás era lindo... Foi então que me ocorreu, de maneira tímida no início mas bem declarada depois, fazer o que na minha turma da contracultura contestadora (era 1974) se chamava de desapropriação. Aos meus ouvidos chegaram resmungos de desaprovação, que ignorei – eles vinham de muito longe, da minha avó, de meu pai, minha mãe, das freiras... Ora, o Mappin era dos ingleses, “esses colonialistas, imperialistas exploradores”. Em nome do terceiro mundo (e das alcinhas também, não nego), enfiei o vestido lilás dentro da bolsa, me arrumei, saí do provador, fui até o caixa e paguei o amarelo. Resolvi não ir logo embora e andar por ali com naturalidade. Vasculhei outras araras e depois desci para a seção masculina, no terceiro andar. E lá encontrei uma mulher que já tinha visto na outra seção. Pra todo lado que eu ia, lá estava ela. Duas coisas estranhas: não tinha bolsa (logo não era freguesa) e mastigava chiclete. Uma mulher de seus 60 anos mastigando chiclete (e fazendo bola), só podia ser disfarce. Meu coração disparou. Pra testar, fui à seção de utilidades domésticas, ela também. Jesus Maria José, e agora?
            Cheguei ao térreo, olhei rápido para trás, nada da mulher. Ufa, será, meu Deus? Mas ao colocar o pé na calçada da Xavier de Toledo, senti uma mão no meu ombro. Era ela. “Parece que a senhora esqueceu de passar no caixa. Vamos até o oitavo andar e resolvemos isso num instante, coisa simples.” Que vergonha! Se ainda fosse um livro de Sartre, ou Marcuse... Ou algo como remédio, comida... Eu a segui e pegamos o elevador, ela me sorrindo delicada e um tanto entediada. Lá no oitavo, deixou-me numa saleta apertada, onde duas datilógrafas faziam as fichas de umas 10 mulheres que tinham esquecido de passar no caixa. Tudo muito frio e burocrático. “Identidade, por favor. Endereço, telefone para contato.” E no final: “A senhora vai acertar o valor do vestido ou deseja deixá-lo conosco?” E eu, a honra desfeita em farelos, mas com ar de madame fazendo compras: “Prefiro levá-lo, moça, gostei muito da cor”.

Mirtes Leal




No vuelvas a irte

Esa noche un tanto fría y quizás, demasiado calma, había salido a atropellar las sombras con su particular omnipresencia. Esa noche, para algunos, gélida de esperanzas ya guardadas, ofrecía una obstinada resistencia al desarrollo de todo su esplendor. Ella, la misma, la previsible, no irradiaba su magia sobre los objetos esparcidos al antojo de terceros. Ella, la misma, la soñadora ya ni siquiera cobijaba a los enamorados. No brindaba al poeta la tinta, ahora seca, que necesitaba aquél para desgranar sus versos. Esa noche, culpable de inspiraciones claudicadas, puntualmente esa noche, de vueltas de páginas…de punto final, ella, la segura promesa de instantes inolvidables, sentía en su interior el vacío flotante de quien se lanza al abismo.


Esa noche, mientras se miraba sobre la superficie del distraído río y su imagen aparecía reflejada justo encima de la sombra del solitario puente, daba la impresión de querer arrojarse a lo más profundo del cauce. Esa noche, quizás ajena y desconocida, de empedrado resbaladizo y calles eternas sin esquinas; ella, la dueña de los momentos, no se movía. Esperaba y soñaba. Esperaba y sufría. Ella, quizás abatida, había decidido no caminar las veredas, no entregar su luz de plata color emoción, ni admitir sentimientos foráneos. No. Ya no. De haber podido hablar, sus mudos testigos hubieran asegurado que una lágrima, solitaria y amiga del rocío, se le había caído.


En el ocaso de la noche, al filo de sus fuerzas, cuando las luces ganaban la escena y su laberíntico interior oscurecía su alma, tuvo un último arrebato de solitaria enamorada; ella, la vieja y sufrida luna, por fin gritó:


-“¡Insensible y necio sol, aún sigo aquí. No vuelvas a irte ya sin mí!”
Gustavo Quintana



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Queridos leitores / lectores:
Que 2012 seja um ano de livros, autores e encontros incríveis! 

Que el 2012 sea un año de lecturas, autores y encuentros increíbles!



 Felicidades!


Andréa e Gabriela

2 comentários:

  1. Olá... estava de passagem pelo google imagens, e descobri vocês... Gostei do blog... Ao longo dos anos venho escrevinhando/rascunhos dos momentos pensantes, sendo então um + - poeta e filósofo de algibeira... sempre com a mente absorta como agora, vinha errante, e achei descanso, local para uma pausa no seu blog... Abraços!!! Parabéns!!! Gelno.NO_Clam

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  2. Olá... estava de passagem pelo google imagens, e descobri vocês... Gostei do blog... Ao longo dos anos venho escrevinhando/rascunhos dos momentos pensantes, sendo então um + - poeta e filósofo de algibeira... sempre com a mente absorta como agora, vinha errante, e achei descanso, local para uma pausa no seu blog... Abraços!!! Parabéns!!! Gelno.NO_Clam

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